Cartas de Viagem - Lisboa
- andggomes
- há 3 dias
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Outono de 2023
"É aqui". Falei em voz alta pra mim mesma enquanto parava em frente a uma porta alta de madeira escura e desgastada pelo tempo.
Tento abrir a porta pesada, mas está trancada. Digito o código único que recebi com a esperança de escutar a porta se abrir, mas nada acontece. “Estanho, não é isso que as instruções me dizem” penso com calma. Com um olhar rápido confirmo que o número do prédio é o mesmo que está descrito no meu aplicativo. Espicho o pescoço pra ver a placa na esquina, aperto os olhos e confirmo: “estou na rua correta.”
Volto a atenção pra pesada porta, repasso as instruções do aplicativo, digito novamente o código na porta e ela segue imóvel. Desafiando as instruções,danço meu indicador pelo painel metálico que mostra a numeração dos apartamentos e aperto o número 12.
“Alguém que mora aqui deve abrir a porta pra mim” pensei com confiança - e aguardo.
Enquanto esperava sentia ao meu redor uma cidade pulsar.
Pessoas passavam caminhando pela calçada - algumas com pressa, outras saboreando a caminhada. Um ônibus pesado levantava poeira deixando um rastro de barulho atrás de si. Na outra esquina um bonde, metade amarelo e metade branco, desfilava lentamente pelos trilhos a exibir os anos de histórias que carregava.
Talvez dois ou três minutos se passam e, incomodada com tal morosidade para acessar o prédio, decido tentar a sorte outra vez. Aperto o número 8 e bingo!
Uma voz metálica e cansada dá vida ao interfone: "Estou?"
“Boa tarde, sou hóspede do apartamento 12. Estou chegando agora com minha família vamos ficar aqui por três dias, porém estou com dificuldade para acessar o prédio pois o código único que tenho não funciona na fechadura - você se importa de descer para abrir a porta, por gentileza? Faço questão de te mostrar a reserva”.
A resposta vem com uma voz cordial mas firme: "Boa tarde. Percebo a situação, mas infelizmente não posso abrir a porta. Sugiro que contacte o proprietário ou a administração para resolver o problema."
“Eu entendo. Obrigada” respondo. Desapontada, mas serena, reflito que de fato, estamos na Europa, mas nem por isso um morador abrirá a porta de sua fortaleza para uma estranha voz à base de fracos argumentos.
Volto o olhar para o carro lotado que me aguarda no outro lado da rua na quadra de baixo e abano um sinal de positivo, acompanhado por um sorriso tranquilo como quem diz “segura um pouco aí que já entramos - estou resolvendo”.
Já com um pouco mais de pressa e determinação ligo pro número listado na reserva e esse, diferente dos moradores do prédio, atende já no primeiro toque.
“Sim?” escuto do outro lado da linha e disparo: “Boa tarde, preciso de ajuda com minha reserva pois não estou conseguindo acessar o prédio no qual tenho um apartamento alugado para os próximos três dias aqui em Lisboa”. Passo o número da reserva para a atenciosa atendente e respiro fundo percebendo que talvez tenha me faltado um pouco de cordialidade e pausas durante minha explicação.
Enquanto aguardo, sinto uma leve brisa no rosto.
Uma brisa que, nos tempos antigos, soprava as caravelas rumo ao oeste, agora interrompida pelos prédios, se espalhava pela cidade. Fresca e ao mesmo tempo morna, trazia consigo um leve aroma de padaria, criando o clima convidativo a uma caminhada de desbravamento - “assim que acessar o apartamento e largar as malas o faremos” combino comigo mesma.
“Ora pois” a voz gentil quebra o silêncio e continua com objetividade: “vossa reserva está apontada para Setembro de 2024.”
Um cobertor de silêncio arrasta tudo o que está ao meu redor e só consigo pensar: “Não é possível - eu jamais faria isso”. Peço um minuto para a atendente e acesso o aplicativo para confirmar que a data que reservei é de fato Setembro de 2023 e a equivocada, nesse caso, é a voz gentil e objetiva que fala comigo.
Foi necessário menos de 10 segundos para entender que o equívoco estava do meu lado.
Abri o app, confirmei as datas e gelei. Claro que eu tinha reserva! Mas ela era para daqui exato um ano.
Terminei a ligação e voltei o corpo para o carro. Sorri o sorriso mais puro que pude - apesar de sentir um leve pânico me morder por dentro - e caminhei firme em direção a eles que me aguardavam.
Meu marido, que estava no volante, me acompanhava com um olhar carinhoso e sorridente;
Minha mãe, sentada no lado esquerdo do banco de trás do carro, sorria feliz em sua primeira experiência na Europa e me cuidava com um olhar protetor de como quem diz: “cuida pra atravessar a rua”;
Minha sogra, também no banco de trás, mas no lado direito, exalava um ar de animação por estar em Portugal em uma viagem tão especial em comemoração aos seus 70 anos, me olhava curiosa.
Abri a porta, sentei, afivelei o cinto de segurança e passeio o olhar pelos ocupantes do carro e sem cerimônia dei a notícia:
“Errei feio. Não temos hotel! Bom, na verdade temos, mas é só ano que vem.”
Meu marido, que estava no volante, agora me acompanhava com um olhar perplexo;
Minha mãe, sentada no lado esquerdo do banco de trás do carro, trocou o sorriso por uma expressão de incredulidade como quem diz: “bem capaz que minha filha maravilhosa faria isso”;
Minha sogra, também no banco de trás, mas no lado direito, agora exalava um ar de pavor e nem me olhava.
O bom de ter quase quinze anos de experiência em viagens internacionais é que com o tempo vamos passando por várias situações e nos tornando mestres em resolver pepinos. Grandes ou pequenos: sempre há uma solução.
O truque é manter a calma e agir rápido.
Enquanto eu acariciava os ânimos das duas moças apavoradas no banco de trás, meu esposo entrava em modo missão impossível e buscava a nova opção de hotel que deveria estar um uma localização privilegiada, com fácil acesso, quartos com uma bela vista, café da manhã incluso (com altas quantidades de pastel de nata, por favor) e com um preço decente.
Quem inventou o termo impossível certamente não estava trancafiado em um carro com a esposa, a mãe e a sogra no meio do dia na cidade de Lisboa. Ou seja, não demorou muito para ele encontrar.
Liguei para o hotel para arranjar a reserva e, ao chegarmos, fomos recebidos em uma propriedade totalmente reconstruída a partir de um edifício do século XVIII, no início do bairro da Alfama.
A equipe, atenciosa e acolhedora, já nos esperava com sorrisos gentis.
Após o check-in, subimos para os quartos. Assim que entrei, deixei a bolsa sobre a cama e fui direto à sacada. Abri as portas, respirei fundo aliviada e deixei a brisa de Lisboa me envolver.
Lá embaixo, uma praça simples, enfeitada por oliveiras, servia de passarela para pedestres animados que iam e vinham entre o bairro da Alfama e a Praça do Comércio. À esquerda, um grande prédio amarelo de janelas brancas dominava a paisagem, e ao seu lado, um menor, incrivelmente revestido de azulejos brancos com detalhes azuis.
No ar, o cheiro de bolinho de bacalhau – certamente um agrado ao paladar dos clientes dos tantos bares na calçada, que já começavam a ficar cheios com o burburinho do fim do dia. E abraçando tudo isso, majestoso, estava ele: o rio Tejo, à frente.
"É aqui", falei em voz alta para mim mesma, enquanto admirava a vista encantadora que se estendia diante dos meus olhos.

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